Eles usavam batom, beijavam-se na boca
em pleno palco, faziam uma música suja, com letras falando de piratas,
moças mortas no cio. E eram muito esquisitos; “frangos”, segundo uns,
e uma ameaça às moças donzelas da cidade, conforme outros. Estes
“maus elementos” faziam parte do Ave Sangria, ex-Tamarineira Village,
banda que escandalizou a Recife de 1974, da mesma forma que os Rolling
Stones a Londres de dez anos antes. Com efeito, ela era conhecida
como os Stones do Nordeste.
“Isto era tudo parte da lenda em torno do Ave Sangria”
– explica, 25 anos depois, Rafles, o ministro da informação do grupo.
“O baton era mertiolate, que a gente usava para chocar. Não sei de
onde surgiu esta história de beijo na boca, a única coisa diferente na
turma eram os cabelos e as roupas.” Rafles por volta de 68, era o
“pirado” de plantão do Recife. Entre suas maluquices está a de enviar,
pelo correio, um reforçado baseado, em legítimo papel Colomy, para
Paul McCartney. Meses depois, ele recebeu a resposta do Beatle: uma
foto autografada como agradecimento.
Foi
Rafles quem propôs o nome Tamarineira Village, quando o grupo tomou
uma forma definitiva, com a entrada do cantor e letrista Marco Polo.
Isto aconteceu depois da I Feira Experimental de Música de Fazenda
Nova. Até então, sem nome definido, Almir Oliveira, Lula Martins,
Disraeli, Bira, Aparício Meu Amor (sic), Rafles, Tadeu, e Ivson
Wanderley eram apenas a banda de apoio de Laílson, hoje cartunista do
DP.
Marco Polo, um ex-acadêmico de
Direito, foi precoce integrante da geração 45 de poetas recifenses. Com
16 anos, atreveu-se a mostrar seus poemas a Ariano Suassuna e a Cesar
Leal. Foi aprovado pelos dois e lançou seu primeiro livro em 66. Em
69, iniciou-se no jornalismo, como repórter do Diário da Noite. Logo
ganhou mundo. Em 70, trabalhou por algum tempo no Jornal da Tarde, em
São Paulo, mas logo virou hippie, trabalhando como artesão na
desbundada praça General Osório, em Ipanema. O primeiro show como
Tamarineira Village foi o Fora da Paisagem, depois do festival de
Fazenda Nova. Vieram mais dois outros shows, Corpo em Chamas e
Concerto Marginal. A partir daí a banda amealhou um público fiel.
A
mudança do nome aconteceu quando o grupo passou a ser convidado para
apresentações em outros Estados. Os músicos cansaram-se de explicar o
significado de Tamarineira Village. O Ave Angria, segundo Marco Polo,
foi sugestão de uma cigana amalucada, que encontraram no interior da
Paraíba: “Ela gostou de nossa música e fez um poema improvisado,
referindo-se a nós como aves sangrias. Achamos legal. O sangria, pelo
lado forte, sangüíneo, violento do Nordeste. O ave, pelo lado poético,
símbolo da liberdade do nosso trabalho.
Na
época, o som do Quinteto Violado era uma das sensações da MPB. Não
tardou para as gravadoras mandarem olheiros ao Recife em busca de um
novo quinteto. A RCA foi uma delas. O Ave Sangria foi sondado e recusou
a proposta (a RCA contratou a Banda de Pau e Corda).
O
disco viria com a indicação da banda, pelo empresário dos Novos
Baianos, à Continental, a primeira gravadora a apostar no futuro do rock nacional.
Antecipando a gozação por serem nordestinos, os integrantes da banda
chegaram no estúdio Hawai, na Avenida Brasil, Rio, todos de peixeira
na mão: “Falamos para o pessoal ter cuidado, porque a gente vinha da
terra de Lampeão”, relembra Almir Oliveira. Foi um dos poucos momentos
de descontração da banda. Com exceção de Marco Polo, nenhum dos
integrantes conhecia o Rio e jamais haviam entrado num estúdio de
gravação.
Faixas:
- Dois Navegantes
- Lá Fora
- Três Margaridas
- O Pirata
- Momento na Praça
- Cidade Grande
- Seu Waldir
- Hei! Man
- Por Que?
- Corpo em Chamas
- Geórgia, a Carniceira
- Sob o Sol de Satã
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